Propugnador acérrimo de todas as emancipações e todas as independências, a escravatura havia de ser por força, para o seu espírito liberal, humanitário, patriótico, um jugo insuportável.

Para sacudir esse jugo, trabalhou muito, incansavelmente, pode-se dizer com toda a verdade.

Não se realizou a remissão dos cativos tão depressa como se teria realizado se, para arrancar preconceitos velhos, para destruir interesses profundamente arraigados, para cantar vitórias sobre opiniões ferrenhas e tradicionais, não fosse forçoso sempre que o tempo fizesse o seu ofício, auxiliado pela força de vontade dos homens que sabem cumprir o seu dever.

Mas a transformação operou-se em condições, seja dito de passagem, muito diversas e muito menos favoráveis do que aquelas em que o teria sido, se as suas judiciosas considerações houvessem sido seguidas como tinham direito a sê-lo.

Entre os seus muitos escritos é difícil preferir uns sem fazer injustiça a outros. São todos dignos dos assuntos e dignos da capacidade de quem os tratou. Há, porém, uns que sobremodo nos encantam e nos admiram: os de Economia Política.

O Doutor Miguel já havia feito anteriormente, nos teatros, conferências republicanas, juntamente com Quintino Bocayuva e outros notáveis republicanos, salientando-se, como em todos os seus escritos e palavras, pela energia da frase, pela polidez e correção do estilo; destruindo os princípios errôneos da monarquia por uma argumentação lógica e cerrada, mas nunca empregando ataques pessoais. - Suas conferências foram publicadas nas folhas.

Na A República pleiteou extensamente a causa da libertação dos escravos, querendo a verdadeira remissão dos cativos e continuando a grande obra, na qual já se empenhara no Maranhão, não só cooperando diretamente por si para a libertação de muitos escravos, como, também, pela Sociedade 28 de Julho supra mencionada. – Vinte e oito de julho é a data da Independência do Maranhão.

Pela profunda idéia e sentimento de justiça que sempre o tem dominado, respeitando o direito de propriedade reconhecido por lei, que deve sempre ser respeitada, enquanto não for derrogada pelo poder competente, quando reputada e reconhecida menos justa; sob sua responsabilidade e assinatura pessoal, publicou uma série de artigos, apresentando a idéia que tinha, não de acordo com os outros redatores, sobre a obra de libertação, porque seus companheiros a queriam por um golpe de estado sem indenização ou, mesmo, por uma revolta dos escravos.

Se suas idéias, lúcida e logicamente expostas, tivessem sido aceitas, a libertação teria sido feita mais cedo do que foi, e sem abalo, no país.

Queria ele que a libertação se fizesse, de uma vez e incondicionalmente, por grandes capitais suficientes, levantados no país e no estrangeiro, sob garantia de juros do governo brasileiro e um prêmio dado como estímulo aos que levantassem ou incorporassem companhias ou bancos libertadores, que emancipassem logo, e de vez, os escravos na sua totalidade, ficando estes já homens livres, meros devedores da respectiva quantia pagável por mensalidades pequenas para amortização do capital e um juro módico e razoável, até real embolso. – O governo deveria, prontamente, fazer algumas leis sábias e rigorosamente executadas, para garantia, tanto dos prestamistas, como dos mutuários. – Os escravos passariam de chofre a cidadãos livres, como passaram efetivamente a 13 de maio de 1888, mas a obra se teria feito sem perturbação e sem desequilíbrio social. Só lhes restaria, em seguida, pagar nobremente com seu trabalho a dívida contraída para o seu resgate ou libertação. Não ficariam devendo favor algum, não causariam prejuízo a outrem, nem incorreriam em ociosidade: ficariam enobrecidos pagando o seu resgate e adquiririam hábitos de trabalho. Não seriam aviltados e aprenderiam o respeito devido à propriedade legal.

No Brasil, essa grandiosa, justa e filantrópica idéia passou quase que desapercebida, por causa do grande atraso moral do país; mas ainda hoje pode ser utilizada e dar seus frutos benéficos a favor dos países que possuem escravos. – Os filantropos e patriotas devem meditá-la e executá-la a bem da humanidade e da justiça. – Não é lícito garantir o direito de um, espoliando o direito de outro. Os senhores de então não tinham sido os escravizadores e nem sempre possuíram escravos por herança. – As idéias do DOUTOR MIGUEL eram as únicas que apresentavam a solução do problema de conformidade com a justiça, pelo caminho mais curto, propício e reto.

Pode-se morrer pelo bom, mas é difícil dar a vida pelo justo; por isso é que não tiveram plena aceitação.

É desnecessário acrescentar que, uma vez feita a abolição em 1888 por um golpe de estado, como foi, era-lhe impossível aplaudir a idéia, já então injusta e iníqua, da indenização. O projeto, que o povo no seu bom senso apelidou Bendengó, era, em verdade, revoltante.

Nos seus escritos sobre economia política, em que se ocupou largamente de crédito e bancos, censurou o erro de Malthus sobre o meio que aconselhou para evitar a miséria, opondo-se artificialmente ao aumento da população. Partindo do princípio por ele, Doutor Miguel, formulado que – o mundo é grande e tem lugar para todos – e entendendo que o patriotismo não está em agarrar-se a um pedaço de terra, embora reduzida à miséria, o Doutor Miguel aventou a opinião que os governos de países ricos em território e pobres em população deviam chamá-la com instância dos lugares em que é superabundante; e que, pelo contrário, os governos de países populosos e sem território, onde, por conseguinte, reina a miséria, deveriam facilitar e ,até, promover a saída dos súditos para esses países ricos, em que fossem adquirir bem-estar para si e para os seus de onde poderiam ser úteis à Pátria pelo comércio e por muitos outro modos. Para o Doutor Miguel, a filantropia, a caridade e a sabedoria seria proceder por esta forma.

(extraído do Álbum de Portugueses e Brasileiros Eminentes)